O tambor de crioula é forma de
expressão de matriz afro-brasileira que envolve dança circular, canto e
percussão de tambores. Seja ao ar livre, nas praças, no interior de terreiros,
ou então associado a outros eventos e manifestações, é realizado sem local
específico ou calendário pré-fixado e praticado especialmente em louvor a São
Benedito.
Essa manifestação da cultura
popular maranhense não tem uma época fixa de apresentação, mas pode-se observar
uma concentração maior nos períodos que correspondem ao carnaval, às festas de
São João e a partir do 2° sábado de agosto, quando ocorrem também as rodas de
bumba-boi. Tradicionalmente, toda a festividade de bumba-meu-boi é encerrada
com um tambor de crioula.
Consta que, em seus primórdios,
as brincadeiras de bumba-meu-boi e o tambor de crioula aconteciam sempre
juntas, eram práticas interligadas. E que ainda hoje não há matança de boi, sem
uma roda de tambor de crioula em seu encerramento. Atualmente, vários
praticantes de uma manifestação também o são da outra.
Os tocadores e cantadores, também
denominados coreiros, são conduzidos pelo ritmo incessante dos tambores e o
influxo das toadas evocadas, culminando na punga (ou umbigada) – movimento
coreográfico no qual as dançarinas, num gesto entendido como saudação e
convite, tocam o ventre umas das outras. Essa forma de expressão, com seus
movimentos de corpo e a polirritmia dos tambores o caracterizam como
pertencente à família do samba.
Em sua pesquisa, o Iphan
catalogou as práticas de 61 grupos entre os de maior destaque da ilha de São
Luís. O registro do tambor de crioula faz parte de um projeto de reconhecimento
das formas de expressão que compõem o amplo e diversificado legado das
tradições culturais de matriz africana no país. Em particular, o tambor de
crioula pode ser associado a outras formas já registradas como patrimônio
imaterial brasileiro, como o samba de roda do Recôncavo Baiano e o jongo,
praticado na região Sudeste. Também possui características muito próximas de
certas modalidades do samba carioca, como o partido alto e o samba de terreiro.
História
“Eu, na minha idade, eu me
entendi que tambor de crioula era dos antigos. Era aquelas raças negra que a
gente chamava de angolas, viviam pelo mato, numa casca de pau que eles batiam,
baque, baque, baque. Depois eles inventaram aquele tambor de bambu, né?
tamborzinho de bambu. Desse tambor de bambu, eu me lembro se foi o tambor de
madeira, grande, de tronco. Já, hoje em dia, nós usa a maior parte já desse
tambor. tudo vai ficando difícil, porque a madeira, lá no mato, já não querem
que ninguém corte, que ninguém tire, o IBAMA, não pode... Então nisso, nós a
cada tempo vai recorrendo, fazendo uma coisa muito difícil. Aí, em todo caso, a
gente vai levando a vida, que cada tempo é uma coisa... Mas o que eu quis dizer
é que o tambor de crioula é antigo. É dos negros!” Ildener Barbosa, Tambor
Coração de São Benedito.
As narrativas da origem do Tambor
de Crioula via de regra se referem ou a São Benedito ou ao período da
escravidão. São Benedito, o santo protetor dos negros aparece no teatro das
memórias como um escravo que foi à mata, cortou um tronco de árvore e ensinou
os outros negros a fazer e a tocar o tambor. Outras vezes ele surge como o
cozinheiro do monastério que levava comida escondida em suas vestes para os
pobres. Mas em muitos casos não há uma narrativa geral sobre o tambor e sua
origem ancestral e sim a história específica de determinado grupo de tambor,
demonstrando que naquilo que costumamos chamar de cultura popular há espaço
para a individualidade, a diferenciação.
Até 1978, havia menos de vinte
grupos na cidade. A partir do expressivo fluxo migratório do interior do Estado
em direção à capital, novos grupos são criados, aumentando assim o contingente
de brincantes. Hoje há mais de sessenta grupos cadastrados nos órgãos de
registros da cultura popular na capital maranhense.
Elementos
Canto - Cada cântico se inicia
com um solista que canta toadas de improviso ou conhecidas, repetidas ou
respondidas pelo coro, composto por homens que se substituem nos toques e por
mulheres dançantes. Os cânticos possuem temas líricos relacionados ao trabalho,
devoção, apresentação, desafio, recordações amorosas e outros.
Instrumentos - O conjunto
instrumental que produz a música no Tambor de Crioula é chamado de parelha.
Inclui básica e obrigatoriamente três tambores de madeira – ou, atualmente,
também de PVC – afunilados e escavados, e cobertos com couro, preso por
cravelhas. São denominados tambor grande, o solista, meião, que estabelece o
ritmo básico de 6/8, e crivador, que realiza improvisos a 6/8. Alguns grupos
utilizam-se também de matracas, bastões de madeira que são percutidos aos pares
no corpo do tambor maior. Via de regra, o tambor tem um nome, outorgado em
muitos casos numa cerimônia de batismo com a presença de padrinhos e
“familiares” do tambor.
Dança - Uma dançante de cada vez
faz evoluções diante dos tambozeiros, enquanto as demais, completando a roda
entre tocadores e cantadores, fazem pequenos movimentos para a esquerda e a
direita; esperando a vez de receber a punga e ir substituir a que está no meio.
A punga é dada geralmente no abdômen, no tórax, ou passada com as mãos, numa
espécie de cumprimento. Quando a coreira que está dançando quer ser
substituída, vai em direção a uma companheira e aplica-lhe a punga. A que
recebe, vai ao centro e dança para cada um dos tocadores, requebrando-se em
frente do tambor grande, do meião e o pequeno, e repete tudo de novo até
procurar uma substituta.
Vestimenta - Para as mulheres, saia de chitão florido, bem rodada, para acentuar o movimento, anágua por baixo da saias, blusa branca de renda, com babado na gola, torso na cabeça, colares, geralmente descalças. Para homens, calça, camisa de botão e chapéu de couro ou de palha.
Comida - A comida na festa de São Benedito adquire uma importância significativa. Distribuí-la não representa apenas alimentar os convidados, mas seguir o exemplo de caridade do santo, demonstrar abundância, superação das dificuldades. E o seu preparo além de unir brincantes e comunidade, revela aspectos fundamentais para a continuidade dessas práticas. O cardápio é popular: galinha, carne de gado e porco, torta de camarão, maçarão, tapioca, farofa, bolos.
Bebida - “Tem a bebida, que no tambor de crioula sem bebida não vai, né. Não é muito, mas não pode faltar, também. A cachaça é só pra esquentar os brincantes, quando não se tem se reclama logo: ‘Ô tambor seco!’” Ivaldo Duarte, do Tambor Proteção de São Benedito. A cachaça também participa de brincadeiras relacionadas ao tambor. “O ‘Não-Seca’ é a maior atração da festa, é um filtro cheio de cachaça com um copinho que pode encher, mas não pode botar fora, se encher tem que tomar! São sete caixas de cachaça, às vezes oito, que a gente gasta de sábado até domingo... Isso é bem antigo” conta Inaldo Pedro, presidente da Associação e integrante do grupo Tambor de Inaldo.
“Esse som pra mim é tudo. Eu tô
com 60 e poucos anos, tô doente das pernas. Hoje eu tenho as pernas atrofiadas,
minha perna não era assim. Assim mesmo quando eu ouço um som de tambor, no
terreiro lá rufando, um toque bom ... eu vou” Neuza Vieira, do Tambor Unidos de
São Benedito.
Fonte: Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional - Iphan
Tels: (61) 3326-8907 / 3326-8014
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